domingo, novembro 05, 2006

To know Syreeta is to love Syreeta

Até há um par de anos o nome de Syreeta era-me absolutamente desconhecido. Depois de ter ouvido alguns samples ficou de imediato perto do topo da minha lista de "must-buys". Na verdade não é muito fácil aceder à sua música: os dois primeiros discos há muito deixarem de estar disponíveis, se exceptuarmos uma edição japonesa de Syreeta (1972) e uma edição limitada da Hip-O Select, que reúne este com Stevie Wonder Presents Syreeta (1974), apenas disponível para venda no website.

Nestas coisas nem sempre se pode perder a cabeça: edições japonesas e impostos alfâdegários de importações fora da UE dão cabo do orçamento de um melómano. Resolvi parcialmente o problema há alguns dias com The Essential Syreeta, compilação low price da Spectrum/Universal. Meia dúzia de faixas do disco de 74, bem menos do disco de 72 (infelizmente!), algum material posterior (bem menos interessante...) e as duas faixas do 1º single pré-Stevie de 68 (como Rita Wright).





Como começar? A voz de Syreeta pertence àquela categoria de vozes soul transcendentes, algo entre Martha Reeves e Minnie Riperton. Muito mais não seria necessário acrescentar, mas os dois primeiros discos contam com a escrita e produção de um dos melhores escritores de canções de sempre no seu topo de forma (Wonder assinou a sua obra-prima Innervisions em 1973). Podem acreditar que foi um acto criminoso DJ Spinna e Bobbito terem deixado Syreeta de fora nas duas compilações de versões de Stevie Wonder editadas em 2003 e 2004.

E podia ficar por aqui, mas existe uma faixa do primeiro disco de Syreeta que se chama 'To Know You Is To Love You', cantada em dueto com Stevie, que entra directamente para o olimpo da música pop. A voz de Syreeta está aqui mais apurada que nunca, envolta uma deliciosa orquestração e guitarra groovy. O equivalente musical para a tensão pré-coital.

Friedman stripped to the bone



Burnt Friedmen pertence aquela categoria de músicos em que o acto de gravar tem a cadência do próprio respirar. No jazz é quase sempre assim, mas pelos mares da pop, só recordo Bill Laswell ou Fela Kuti. Desta vez resolveu submeter uma amostra do seu património mais recente a uma rigorosa dieta de dub/jazz pelas mãos dos Root 70. 10 faixas rigorosamente cronometradas a 5 minutos para uma imaculada reconstrução metódica do seu próprio universo. Com tão bom resultado só me ocorre a reconstrução de Laswell para o legado da figura mais emblemática do reggae em Dreams of Freedom: Ambient Translations of Bob Marley in Dub. Em ambos os casos, encontramos o que seria improvável: versões quase sempre com valia estética superior aos originais e a descoberta na matéria-prima de uma nova profundidade quase espiritual. Mas onde Laswell aspirava a uma condição de King Tubby atmosférico, Heaps Dub mostra um músico com a rara capacidade de se re-inventar a si próprio. Miles Davis teria aprovado. Designer Groove, como o título da sobreexcelente segunda faixa.

Goodgroove: the comeback

Continuo a ouvir quase tanta música como há dois anos atrás (ou mesmo 20). Apenas por falta de tempo não escuto mais. E por isso também não voltei a escrever por aqui. Acontecerem tantos discos durante dois anos e tantos mais 50 anos anos. A música é intemporal? Sim. Mas os discos nem sempre.

Estou a ouvir Nino Moschella. Aquela história do "less is more" é tantas vezes verdade. Descobri com os Young Marble Giants, mas podia ter sido com a Motown. The Fix descende de Prince em Under the Cherry Moon, a obra-prima do soul/funk minimalista. Basta ouvir a primeira faixa, 'Are You For Real', para saber isso. Prince terá deixado pelo caminho bastante descendência (todo o movimento "nu-soul"), mas pelo lado do tom de pele mais claro Beck destaca-se. Ou melhor, acabou de se destacar com o último, The Information, talvez o melhor disco de 2006.