segunda-feira, agosto 09, 2004

Caribbean melting pot

Imaginem uma banda de 8 membros originária de diversos pontos das Caraíbas que juntava no mesmo som os elementos distintivos do soul/funk, jazz, rock e reggae. Tudo devidamente temperado com um extremo savoir-faire, assente em arranjos minimalistas. No início dos anos 70, vivia-se um singular período em que as barreiras musicais que separavam as linguagens soul/funk e o jazz foram definitivamente eliminadas. Algumas vezes do lado do soul (os War ou os Madrill), outras vezes pelos músicos oriundos do jazz (Roy Ayers, Eddie Harris e, os mais emblemáticos Miles Davis e Herbie Hancock). Mas os Cymande foram neste aspecto uma banda absolutamente singular, uma vez que conseguiram utilizar a palete musical de uma forma verdadeiramente inesperada. Diria que foram os primeiros a utilizar com máxima eficácia todos os idiomas sobre os quais assentava o groove: a liberdade rítmica do funk e do jazz, o sentido melódico do soul, a energia do rock e as cores alegres do reggae e da música africana e latina.

Como quase sempre acontece com os visionários, os Cymande foram praticamente ignorados, tendo cessado as hostilidades após 3 discos editados entre 72 e 74 na editora Janus. Ouvir estes 3 discos é perceber muito da história da música nestes últimos 30 anos. Lá encontramos as sementes do p-funk (George Clinton já estava no activo, mas ainda não tinha gravado as obras-primas), o pós-punk (Liquid Liquid ou ACR), o hip-hop (Grandmaster Flash), entre tantos outros movimentos. Todos os que se deliciam com aquele baixo musculado do Bill Laswell vão perceber que nos Cymande o instrumento já era soberano, ao ponto que quase sempre conduzir toda a acção. E, claro, vão descobrir onde as bandas cut & paste como os De La Soul foram subtraír alguns dos seus samples mais emblemáticos.

Obter a trilogia completa dos Cymande (Cymande - o melhor, Second Time Around e Promised Heights) não é assim tão difícil. Em 99 a Sequel fez-nos o favor de os reunir num CD duplo (ao qual ainda juntou 3 inéditos) que denominou The Message (o nome de uma das faixas do 1º disco, a única que muito vagamente povoou os tops na altura da sua edição).



É justo recordar aqui um disco bem mais recente (2003), o qual fez a assinalável proeza de seguir a metodologia melting pop dos Cymande e registar uma colecção de canções que (infelizmente) uma vez mais parece votada ao ostracismo das playlists (mesmo as mais esclarecidas). Curiosamente, os 3 Generations Walking (disco homónimo) têm também as suas raízes espalhadas pelas Caraíbas e América Latina (o núcleo duro é formado por dois produtores - Michael Kenneth Lopez (MKL) e Herman "Soy Sos" Pearl - um deles oriundo de Belize, contando com participações de cantores oriundos do Chile e do Haiti). Acima de tudo os, 3GW, tal como os Cymande, procuram o mesmo graal sagrado (o groove), recorrendo para tal ao contributo (físico e espiritual) de 3 gerações. A editora house Spritual Life de Joe Claussell teve o bom gosto de editar um dos discos mais importantes dos últimos anos. Para a posteridade ficam pelo menos 3 clássicos contemporâneos: a versão de 'Slavery Days' para o original de Burning Spear (um clássico ele próprio), 'Who Knows' (que baixo!) e 'To Live' (que percussão!).

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