sábado, agosto 07, 2004

A música brasileira (quando valia a pena)

Confesso que a música que vou comprando (compulsivamente) vai dependendo dos hypes: não daqueles que são lançados por tablóides ou opinion-makers, mas daqueles que eu próprio me imponho. Depois de 10 anos a consumir pop/rock, comecei a investigar outras músicas, mais ou menos por esta ordem: blues, world, jazz, africana, reggae, latina, hip-hop, soul e - desde há ~2 anos atrás - música brasileira (anos 50, 60 e 70 - a partir daqui não vale a pena).

Da música Brasileira, conhecia apenas aquela rama que se habituou a incluir Portugal no seu roteiro de frivolidade, esses Netinhos, Bandas Evas e demais lixo sonoro que existe em qualquer país. Devo ter começado algures por Caetano Veloso (os melhores, felizmente) e alguma coisa de Gilberto Gil, como qualquer curioso da onda tropicalista. Mas quando resolvi aprofundar o assunto da música Brasileira, tive a sorte de começar por uma coisa tão grande como Milagre dos Peixes do Milton Nascimento. Não me aconteceu no passado assim tantas vezes, mas quando ouvi este disco senti-me completamente atirado para o lado; na realidade nunca tinha ouvido nada parecido: Milagre é a experiência espiritual mais intensa que já ouvi até hoje. O ex-crooner parte da matriz da música africana, esquecendo por um disco a matriz de Lennon & McCarthy em versão MPB e erguendo uma missa letúrgica utilizando sons da natureza, grooves soturnos e onomatopeias como matéria-prima.




A partir deste momento iniciei um processo mais sistemático de investigação do interminável acervo que é a música brasileira até ao final dos anos 70. Apaixonei-me por outros do Milton, Tom Zé, Marcos Valle, Egberto Gismonti, Deodato, Hermeto Pascoal, Tânia Maria, Nana Vasconcelos até decidir pela pequena extravagância de comprar através de um site japonês um disco de um tal Taiguara, chamado Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara.

Claro que depois de colocar as mãos - e os ouvidos - numa coisa destas, fico a pensar: como é possível? Uma obra-prima destas deveria ser audição obrigatória em todos os conservatórios deste mundo! E afinal, Taiguara era de início um cantor romântico e o disco teve distribuição muito restrita e breve, devido à censura (paradoxalmente, a música Brasileira deve de facto muitas obras-primas à censura), e só em 2002 foi reeditado pelos incansáveis japoneses. Custou uma pequena fortuna (entre IVAs e despachos de alfândega), mas valeu a pena; é uma das pérolas da minha colecção.

Deixo ainda outras pistas: Caetano Veloso (Jóia e Muito), Deodato (The Bossa Nova Sessions Vol. 1, que junto dois discos de 64), Edu Lobo (Cantiga de Longe), Egberto Gismonti (Academia de Danças, que tem algumas do essencial Corações Futuristas), Gilberto Gil (Refazenda), Hermeto Pascoal (Slaves Mass), João Bosco (Caça À Raposo), João Donato (Quem É Quem), Marco Valle (compilação japonesa Café Après-Midi), Milton Nascimento (Milton Nascimento 69, Milton 70, Clube Da Esquina, Minas, Gerais, Maria Maria/O Último Trem), Nana Vasconcelos (Saudades), Tamba Trio (Tamba 74), Tania Maria (Olha Quem Chega), Tom Zé (Estudando O Samba), Wagner Tiso (Wagner Tiso 78) e os dois primeiros A Trip To Brazil, escolhidos pelo Arnaldo DeSouteiro).

Escrito ao som de Cantiga de Longe do Edu Lobo, disco de 1970, gravado nos EUA com Airto Moreira e Hermeto Pascoal. Podem encontrar aqui as versões definitivas dos instrumentais venerados 'Casa Forte' e 'Zanzibar' (sim, são originais de Edu Lobo!), bem como outras 9 pérolas, entre as quais 'Zum-Zum' e 'Marta e Romão'. Os arranjos, o piano e a flauta do génio de Hermeto fazem deste disco uma peça incontornável da MPB. A voz e o violão de Edu fazem - claro - o resto. A Universal Brasileira reeditou o disco no final do ano passado, como parte de um conjunto de reedições da editora Elenco de Aloysio de Oliveira. Comprei numa loja especializada em música brasileira, mas com um alguma sorte, conseguem na FNAC.


3 comentários:

Arnaldo DeSouteiro disse...

Obrigado por citar meu nome. Muito bom saber que alguns jovens brasileiros se interessam pelas pérolas dos anos 70, como o disco do Taiguara. Talvez vc ache referencias a alguns outros de seu interesse em meu blog:
http://jazzstation-oblogdearnaldodesouteiros.blogspot.com/
Grande abraço e parabens pelo bom gosto,
Arnaldo DeSouteiro

Arnaldo DeSouteiro disse...

I'm glad you enjoy my compilation series "A Trip To Brazil" (now there are 5 volumes released). Maybe you would like also other similar comp series I have produced, like "Brazilian Horizons" (Fantasy) and "CTI Acid Jazz Grooves" (CTI), plus recent releases on the Verve "Jazz Club" series featuring Quincy Jones, Deodato, Chick Corea etc. Keep groovin'!

Good Groove disse...

Arnaldo, só vi agora os seus comentários. Grande abraço para si e parabéns pelo seu trabalho!